ACORDA AMOR
UMA BREVE INTERPRETAÇÃO DA MÚSICA
DE CHICO BUARQUE
E
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m ACORDA AMOR,
Chico Buarque demonstra como era a vida numa época em que aqueles que prometem
nos proteger são aqueles a quem devemos temer.
"Acorda amor" - 1. Chico pode estar falando
como alguém que, durante a noite, acorda ouvindo barulhos estranhos e suspeita
que sua casa possa estar sendo invadida, e então se vira e chama seu marido/sua
esposa; 2. Também faz referência ao
povo, dizendo "Acorda!" para que as pessoas percebessem o que estava
acontecendo bem diante de seus narizes, uma vez que a maioria das pessoas, no
início, não tinha noção do que faziam os ditadores.
"Eu tive um pesadelo
agora" - Tal absurdo (líderes censurando informações, pessoas perdendo por
completo sua liberdade, torturas diárias por parte do governo, etc.) parece ser
coisa tão ruim que só poderia acontecer em um pesadelo.
"Sonhei que tinha gente lá
fora / Batendo no portão, que aflição" - Esses são os militares entrando
nas casas das pessoas, sem pedir licença, acordando-os, raptando-os, e
torturados sob o mínimo sinal de suspeita em relação a algo desaprovado pelo
governo. É o clássico "bater primeiro e perguntar depois".
"Era a dura [...]" -
Chico usa "DURA" na verdade referindo-se à "ditaDURA".
"[...] numa muito escura
viatura / Minha nossa santa criatura" - Aquilo que essas pessoas eram levadas
a crer (que uma viatura é sinal de segurança, pois os policiais estão aqui para
nos proteger [em teoria, pelo menos]) na verdade era o contrário, pois os invasores
eram justamente esses da viatura.
"Chame, chame, chame lá /
Chame, chame o ladrão, chame o ladrão!" - Quando alguém invade sua casa, o
que é comum ser feito? Chamar a polícia, não é? Mas e quando é a própria
polícia que está invadindo, o que se pode fazer? Ora, a única alternativa é
chamar o ladrão. Chame o ladrão!
"Acorda amor, / Não é mais
pesadelo nada" - Aquilo que perecia ser apenas um pesadelo, era realidade,
por mais absurdo que fosse. Acorda povo, pois essa é a realidade!
"Tem gente já no vão da escada
/ Fazendo confusão, que aflição" - 1. Alguns já estavam acordando daquilo
que não era pesadelo e protestando; 2.
Os policiais já estavam dominando tudo, chegando perto de você e prontos para
te pegar, e instaurar a confusão, o caos.
"São os homens" -
"homens" significando policiais.
"E
eu aqui parado de pijama" - Apesar de tudo o que estava acontecendo no
Brasil, muitos ainda não faziam nada, apenas ficavam ali parados, de pijama.
"Eu não gosto de passar
vexame" - Eis um dos motivos para que alguém, que já havia
"acordado" e ainda assim não fazia nada: o vexame, que pode ser
tanto:
1. Por parte da sociedade, que desacreditava nos revolucionários
e ainda debochavam; 2. Por parte dos próprios militares, que humilhavam as
pessoas e, como o maior dos vexames, as torturavam e matavam.
"Chame, chame, chame / Chame o
ladrão, chame o ladrão" - Agora se tornara mais seguro ter um ladrão
dentro de casa do que um policial.
"Se eu demorar uns meses,
Convém, às vezes, você sofrer" - Em alguns meses ainda havia a possibilidade
da pessoa, mesmo capturada pelos ditadores, estar viva, ainda que escondida.
"Mas depois de um ano eu não
vindo" - Depois de um tempo, era quase certo que a pessoa havia sido morta.
"Ponha a roupa de domingo" - A roupa de domingo
é a roupa de ir à missa. No caso, a missa de luto, de um ano da morte de um
ente querido.
"E pode me esquecer" - A
história daqueles que eram capturados tornava-se completamente esquecida depois
de um tempo, até por causa da censura de dados, que eram mantidos apenas em
poder dos próprios ditadores.
"Acorda amor / Que o bicho é
brabo e não sossega" – Povo, acorde, pois os ditadores fazem crueldades, e
não vão parar, pelo contrário, continuarão até que as pessoas façam algo a
respeito.
"Se você corre o bicho
pega" - Num contexto onde o "bicho" é o próprio governo, ou
seja, está no controle de tudo, não há para onde fugir, pois eles saberão onde
você está.
"Se fica não sei não /
Atenção" - Embora fugir fosse arriscado, ficar era ainda pior, com certeza.
"Não demora / Dia desses chega
a sua hora / Não discuta à toa não reclame" - 1. Ele pode estar se dirigindo
às pessoas que, mais cedo ou mais tarde, também seriam capturadas, e não
adiantava de nada discutir, pois os militares faziam o que os convinha, sem se
importar com o torturado; 2. Ele também
pode estar se dirigindo ao ditador, dizendo "agora você está no poder, mas
em breve será derrubado, e aí não adianta reclamar, pois o povo
prevalecerá", mensagem que ele também passa em sua outra música, Apesar de você.
"Clame, chame lá, chame, chame
/ Chame o ladrão, chame o ladrão, chame o ladrão" - Num país onde as leis
são determinadas por ditadores, aquele que oficialmente é o criminoso, pode, na
verdade, ser o revolucionário, que era perseguido pela polícia, mas isso não significava
que ele era o ruim da história. Chame o ladrão, pois talvez ele seja o único
que está fazendo o bem, e na época não havia como fazer o bem sem desobedecer
às leis ditatoriais.
"Não esqueça a escova, o
sabonete e o violão" - itens básicos (escova e sabonete) acompanhados do
violão (significando a música) que era a maneira que tinham de lutar contra a
ditadura; músicas que continham mensagens subliminares, como a própria ACORDA
AMOR.
“
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Aonde é que foi
parar o país de Independência?
Onde está a
ordem e progresso?
Em meio a toda
essa guerra já não sei para onde ir...
Simplesmente me
perdi, em busca de paz e igualdade.
Queria poder ter
voz para dizer, mas a violência me tornou incapaz de falar.
Aqui não há
direitos, só regime militar...
As pessoas são
mudas e não podem contestar,
Sobre as
palavras que aqui estou tentando expressar...
Violência,
guerra, desigualdade, e regime militar...”¹
1. RODRIGUEZ, Priscila
Texto de Alan Soares